A DITADURA MILITAR,
E A CENSURA À MÚSICA BRASILEIRA
Quando o golpe militar foi deflagrado, em 1964,
ironicamente o Brasil tinha na época, os movimentos de bases político-sociais
mais organizados da sua história. Sindicatos, movimento estudantil, movimentos
de trabalhadores do campo, movimentos de base dos militares de esquerda dentro
das forças armadas, todos estavam engajados e articulados em entidades como a
UNE (União Nacional dos Estudantes), o CGT (Comando Geral dos Trabalhadores), o
PUA (Pacto da Unidade e Ação), etc, que tinham grande representatividade diante
dos destinos políticos da nação. Com a implantação da ditadura, todas essas
entidades foram asfixiadas, sendo extintas ou a cair na clandestinidade. Em
1968, os estudantes continuavam a ser os maiores inimigos do regime militar.
Reprimidos em suas entidades, passaram a ter voz através da música. A Música
Popular Brasileira começa a atingir as grandes massas, ousando a falar o que
não era permitido à nação.
Diante da força dos festivais da MPB, no final da
década de sessenta, o regime militar vê-se ameaçado. Movimentos como a
Tropicália, com a sua irreverência mais de teor social-cultural do que
político-engajado, passou a incomodar os militares. A censura passou a ser a
melhor forma da ditadura combater as músicas de protesto e de cunho que pudesse
extrapolar a moral da sociedade dominante e amiga do regime. Com a promulgação
do AI-5, em 1968, esta censura à arte institucionalizou-se. A MPB sofreu
amputações de versos em várias das suas canções, quando não eram totalmente
censuradas.
Para censurar a arte e as suas vertentes, foi
criada a Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), por onde deveriam
previamente, passar todas as canções antes de executados nos meios públicos.
Esta censura prévia não obedecia a qualquer critério, os censores poderiam
vetar tanto por motivos políticos, ou de proteção à moral vigente, como por
simplesmente não perceberem o que o autor queria dizer com o conteúdo. A
censura além de cerceadora, era de uma imbecilidade jamais repetida na história
cultural brasileira.
Os
Perseguidos do Pré-AI-5
Antes mesmo de deflagrado o AI-5, alguns
representantes incipientes da MPB já eram vistos pelos militares como inimigos
do regime, entre eles, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Taiguara e Geraldo Vandré.
A intervenção de Caetano Veloso era mais no sentido da contracultura do que contra o regime militar. Os tropicalistas estavam mais próximos dos acontecimentos do Maio de 1968 em Paris, do que das doutrinas de esquerda que vigoravam na época, como o marxismo-leninismo soviético e o maoísmo chinês. Mas os militares não souberam identificar esta diferença, perseguindo Caetano Veloso e Gilberto Gil pela irreverência constrangedora que causavam.
A intervenção de Caetano Veloso era mais no sentido da contracultura do que contra o regime militar. Os tropicalistas estavam mais próximos dos acontecimentos do Maio de 1968 em Paris, do que das doutrinas de esquerda que vigoravam na época, como o marxismo-leninismo soviético e o maoísmo chinês. Mas os militares não souberam identificar esta diferença, perseguindo Caetano Veloso e Gilberto Gil pela irreverência constrangedora que causavam.
Na época da prisão dos dois cantores, em dezembro
de 1968, os militares tinham de concreto contra eles, a acusação de que tinham
desrespeitado o Hino Nacional, cantando-o aos moldes do tropicalismo na boate
Sucata, e uma ação que queria mover um grupo de católicos fervorosos, ofendidos
pela gravação do “Hino do Senhor do Bonfim” (Petion de Vilar – João
Antônio Wanderley), no álbum “Tropicália ou Panis et Circenses” (1968).
Juntou-se a isto a provocação de Caetano Veloso na antevéspera do natal de
1968, ao cantar “Noite Feliz” no programa de televisão “Divino
Maravilhoso”, apontando uma arma na cabeça. O resultado foi a prisão e o
exílio dos dois baianos em Londres, de 1969 a 1972.
Ainda do repertório do álbum mítico “Tropicália
ou Panis et Circenses” , a música “Geléia Geral” (Gilberto Gil –
Torquato Neto), sofreu o veto da censura por ser considerada de conteúdo
política contestatória, além de segundo os censores, fazer um retrato
equivocado da situação pela qual passava o país.
Ao retornar do exílio, Caetano Veloso e Gilberto
Gil sofreram com a perseguição da ditadura e da censura. Em 1973, Caetano
Veloso teve a sua canção “Deus e o Diabo”, vetada por causa do último
verso “Dos bofes do meu Brasil”. Diante do veto, a gravadora solicitou
recurso, foi sugerido pelo censor que o autor substituísse a palavra “bofes”.
Mas um segundo censor menciona os versos “o carnaval é invenção do diabo que
Deus abençoou” e “Cidade Maravilhosa/ Dos bofes do meu Brasil”, como
ofensivos às tradições religiosas.
Em 1975, o álbum “Jóia” trazia na sua capa
Caetano Veloso, sua então mulher Dedé e o filho Moreno, completamente nus, com
o desenho de algumas pombas a cobrir-lhe a genitália. Censurada, o álbum foi
relançado com uma nova capa, onde restaram apenas as pombas.
Geraldo Vandré tornou-se o inimigo número um do
regime militar. A sua canção “Caminhando (Pra Não Dizer Que Não Falei das
Flores)”, que ficou com o polêmico segundo lugar no Festival Internacional
da Canção, em 1968, tornou-se um hino contra a ditadura militar, cantado por
toda a juventude engajada do Brasil de 1968. Esta canção, afirmam alguns
analistas de história, foi uma das responsáveis pela promulgação do AI-5. Ficou
proibida de ser cantada e executada em todo país. Só voltaria a ser
ressuscitada em 1979, após a abertura política e a anistia, quando a cantora
Simone a
cantou em um show, no Canecão. Perseguido pelo regime, Geraldo Vandré esteve
exilado de 1969 a 1973. Após o exílio, jamais conseguiu recuperar a carreira
interrompida pela censura da ditadura militar. Calava-se uma expressiva
carreira emprestada ao combate à ditadura.
Taiguara, uma das mais belas vozes masculinas da MPB, interpretou com maestria diversos gêneros musicais. Foi um dos cantores que mais se opôs contra a repressão da ditadura militar. Sua obra pagou o preço da perseguição e da censura. Deparou-se com a atenção da censura em 1971, que esteve atenta às canções do álbum “Carne e Osso”.
Taiguara, uma das mais belas vozes masculinas da MPB, interpretou com maestria diversos gêneros musicais. Foi um dos cantores que mais se opôs contra a repressão da ditadura militar. Sua obra pagou o preço da perseguição e da censura. Deparou-se com a atenção da censura em 1971, que esteve atenta às canções do álbum “Carne e Osso”.
Em 1973 teve 11 músicas proibidas. Perseguido pela
censura, Taiguara teve muitas das suas músicas assinadas por Ge Chalar da
Silva, sua esposa na época. Exilado em Londres, Taiguara gravou o álbum “Let
the Children Hear the Music“, em inglês. O disco foi proibido de ser
lançado, pela EMI, por decisão da polícia federal brasileira. O compositor
recorreu ao Conselho Superior de Censura, em 1982, tendo o disco finalmente
liberado.
Chico Buarque, o Alvo Predileto da
Censura Militar
Tendo silenciado e asfixiado Geraldo Vandré, os
militares elegeram o seu povo inimigo do regime: Chico Buarque de Hollanda. No
período que durou a censura e o regime militar, Chico Buarque foi o compositor
e cantor mais censurado. A sua obra sofreu respingos da censura em todas as
vertentes, tanto nas canções de protesto, quanto nas que feriam os costumes
morais da época.
Os problemas de Chico Buarque com a censura
começaram junto com a sua carreira. Em 1966, a música “Tamandaré”,
incluída no repertório do show “Meu Refrão”, com Odete Lara e MPB-4, é
proibida após seis meses em cartaz, por conter frases consideradas ofensivas ao
patrono da marinha. Era o começo de um longo namoro entre a censura e a obra de
Chico Buarque.
Exilado na Itália, de 1969 a 1970, Chico Buarque
sofreria com a perseguição da censura após o retorno ao Brasil. Em 1970, recém
chegado do exílio, o compositor enviou a música “Apesar de Você” para a
aprovação da censura, tendo a certeza que a música seria vetada.
Inesperadamente a canção foi aprovada, sendo gravada imediatamente em compacto,
tornando-se um sucesso instantâneo. Já se tinha vendido mais de 100 mil cópias,
quando um jornal comentou que a música referia-se ao presidente Médici.
Revelado o ardil, o exército brasileiro invadiu a fábrica da Philips,
apreendendo todos os discos, destruindo-os. Na confusão, esqueceram de destruir
a matriz.
Em 1973 Chico Buarque sofreria todas as censuras
possíveis. A peça “Calabar, ou o Elogio à Traição”, escrita em parceria
com Ruy Guerra, foi vetada pela censura.As conseqüências da proibição viriam no seu álbum,
“Calabar”, também daquele ano. A capa do disco trazia a palavra “Calabar”
pichada num muro. Os censores concluíram que aquela palavra pichada tinha um
significado subversivo, o que resultou na proibição da capa. A resposta
de Chico Buarque foi lançar o álbum com uma capa totalmente branca e sem
título.
O disco trazia o registro das
canções da peça vetada, por isto teve várias músicas (todas elas em parceria
com Ruy Guerra) que amargaram nas malhas da censura. “Vence na Vida Quem Diz
Sim” teve a letra totalmente censurada, sendo gravada no disco uma versão
instrumental; “Ana de Amsterdam” teve vários trechos censurados. “Não Existe
Pecado ao Sul do Equador”, que fazia parte deste disco, alcançaria grande
sucesso quando gravada por Ney Matogrosso, em 1978, quando foi escolhida como
tema de abertura da novela da tevê Globo “Pecado Rasgado”, na versão
original da música o verso “Vamos fazer um pecado safado debaixo do meu
cobertor“, foi substituído por “Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a
todo vapor“. “Fado Tropical”
teve proibido parte de um texto declamado por Ruy Guerra, além da frase “além
da sífilis, é claro”, herança portuguesa, segundo a personagem Mathias, no sangue
brasileiro. “Bárbara”, um dueto entre as personagens Ana de Amsterdam e
Bárbara, teve cortada a palavra “duas”, por sugerir um relacionamento
homossexual entre elas. Tanto “Ana de Amsterdam” quanto “Bárbara”,
já tinham sofrido os mesmos cortes no álbum “Caetano e Chico Juntos Ao Vivo”,
ali substituídos por palmas. Ainda no registro do encontro de Chico Buarque e
Caetano Veloso, além da censura às duas canções citadas, “Partido Alto”
(Chico Buarque), interpretada por Caetano Veloso, sofreu alterações na letra,
sendo substituídas as palavras “brasileiro” por “batuqueiro” e “pouca
titica” por “pobre coisica”.
Diante de tantas mutilações da censura, o álbum “Calabar”, com capa branca, de Chico Buarque, foi um fracasso de vendas. Após o fracasso comercial , a Philips decidiu recolher o disco com capa branca, relançando-o semanas depois, com uma nova capa, trazendo apenas com uma fotografia do artista, de perfil, com o título “Chico Canta”.
Naquele ano de 1973, a música “Cálice” (Chico Buarque – Gilberto Gil), foi proibida de ser gravada e cantada. Gilberto Gil desafiou a censura e cantou a música em um show para os estudantes, na Politécnica, em homenagem ao estudante de geologia da USP Alexandre Vanucchi Leme (o Minhoca), morto pela ditadura. Ainda naquele ano, no evento “Phono 73”, festival promovido pela Polygram, Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram os microfones desligados quando iriam cantar “Cálice”, por decisão da própria produção do show, que não quis criar problemas com a ditadura.
Diante de tantas mutilações da censura, o álbum “Calabar”, com capa branca, de Chico Buarque, foi um fracasso de vendas. Após o fracasso comercial , a Philips decidiu recolher o disco com capa branca, relançando-o semanas depois, com uma nova capa, trazendo apenas com uma fotografia do artista, de perfil, com o título “Chico Canta”.
Naquele ano de 1973, a música “Cálice” (Chico Buarque – Gilberto Gil), foi proibida de ser gravada e cantada. Gilberto Gil desafiou a censura e cantou a música em um show para os estudantes, na Politécnica, em homenagem ao estudante de geologia da USP Alexandre Vanucchi Leme (o Minhoca), morto pela ditadura. Ainda naquele ano, no evento “Phono 73”, festival promovido pela Polygram, Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram os microfones desligados quando iriam cantar “Cálice”, por decisão da própria produção do show, que não quis criar problemas com a ditadura.
Em 1974 a censura não dá tréguas
ao artista. Impedido de gravar a si mesmo, Chico Buarque lança um disco, Sinal
Fechado (1974), com composições de outros autores. Diante de tantas canções
vetadas, a sofrer uma perseguição acirrada, Chico Buarque cria os pseudônimos
de Julinho da Adelaide e Leonel Paiva. É sob o heterônimo do Julinho da
Adelaide que a censura deixa passar canções de críticas inteligentes à
ditadura, lidas nas entrelinhas: “Jorge Maravilha”, que trazia o verso “Você
não gosta de mim mas sua filha gosta”, que era lida como uma referência ao
então presidente Geisel, cuja filha Amália Lucy, teria dito em entrevista, que
admirava as canções do Chico Buarque. “Acorda Amor”, outra canção
liberada do Julinho da Adelaide, era uma referência clara aos órgãos da
repressão, que vinham buscar cidadãos suspeitos de subversivos em suas casas,
levando-os em uma viatura, desaparecendo com eles. Diante da polícia
repressiva, ele chamava pelo ladrão. “Milagre Brasileiro” também levou a
assinatura de Julinho da Adelaide.
Outro clássico da MPB que sofreu uma censura moralista foi “Atrás da Porta” (Chico Buarque – Francis Hime), o verso original “E me agarrei nos teus cabelos, nos teus pêlos”, seria substituído por “E me agarrei nos teus cabelos, no teu peito”, a censura achava a palavra “pêlos” de caráter indecente.
Outro clássico da MPB que sofreu uma censura moralista foi “Atrás da Porta” (Chico Buarque – Francis Hime), o verso original “E me agarrei nos teus cabelos, nos teus pêlos”, seria substituído por “E me agarrei nos teus cabelos, no teu peito”, a censura achava a palavra “pêlos” de caráter indecente.
Outra canção vetada de Chico
Buarque foi “Tanto Mar”, uma homenagem do artista à Revolução dos Cravos
em Portugal. Por ter sido uma revolução considerada socialista, a canção foi
proibida. Seria gravada no álbum “Chico Buarque & Maria Bethânia Ao Vivo”
(1975), numa versão instrumental. Mais tarde, em 1978, seria liberada com uma
outra letra. Curiosamente, a versão original, sem cortes e cantada de “Tanto
Mar”, consta no mesmo álbum “Chico Buarque & Maria Bethânia Ao Vivo”
lançado em Portugal.
Quando o AI-5 foi extinto, em 1978, Chico Buarque vingou-se dos anos de censura, gravou “Cálice”, regravou “Apesar de Você”, além de criar músicas provocantes, que afrontavam à moral da época, como “Folhetim“, que descrevia uma prostituta, ou “Geni e o Zepelim” e “Não Sonho Mais”, temas de dois travestis, Genivaldo da peça “A Ópera do Malandro” e Eloína, do filme “A República dos Assassinos”, respectivamente.
Quando o AI-5 foi extinto, em 1978, Chico Buarque vingou-se dos anos de censura, gravou “Cálice”, regravou “Apesar de Você”, além de criar músicas provocantes, que afrontavam à moral da época, como “Folhetim“, que descrevia uma prostituta, ou “Geni e o Zepelim” e “Não Sonho Mais”, temas de dois travestis, Genivaldo da peça “A Ópera do Malandro” e Eloína, do filme “A República dos Assassinos”, respectivamente.
1973, o Ano Negro da Censura às
Músicas da MPB
Chico Buarque não teria sido o único cantor da MPB
a sofrer mutilações na sua obra naquele
opressivo ano de 1973. O endurecimento deve-se à volta das manifestações
estudantis, nos últimos anos bruscamente combalidas, resultado das perseguições
aos líderes do movimento, que estavam em sua maioria presos, exilados ou
desaparecidos. Outro disco mutilado pela censura naquele ano foi “Milagre
dos Peixes”, de Milton Nascimento, lançado em LP e compacto simples. Do álbum seriam vetadas as canções: “Hoje é Dia
d’El Rey” (Márcio Borges – Milton Nascimento), “Os Escravos de Jó”
(Milton Nascimento – Fernando Brant) e “Cadê” (Milton Nascimento – Ruy
Guerra). Uma das faixas proibidas teria a participação de Dorival Caymmi, com a
sua exclusão, não aconteceu esta participação. “Diálogo Entre Pai e Filho”
teve uma única frase que não foi proibida: “Meu filho”. Diante da
censura, Milton Nascimento gravou apenas as melodias das canções vetadas.
Foi no tumultuado ano de 1973, que a banda Secos
& Molhados explodiu, conquistando o país inteiro. O público dos Secos &
Molhados, devido à proposta inovadora e ao seu carisma, era composto por todas
as idades, inclusive por crianças e por adolescentes. Os três integrantes da
banda eram Ney Matogrosso, Gerson Conrad e João Ricardo, que se apresentavam
com os rostos pintados.
Ney Matogrosso além de trazer a cara pintada, tinha
uma voz de timbre totalmente diferente da de um homem cantor, um aspecto
andrógeno e apresentava-se entre plumas, sem camisa. Os pêlos do peito do
cantor e os seus frenéticos rebolados, incomodaram à censura, à moral e aos
seus bons costumes vigentes, que proibiu que as câmeras da televisão focassem o
cantor de perto, sendo permitido apenas aparecer o rosto em close. Assim
apareceriam os Secos & Molhados em um clipe do recém estreado “Fantástico”,
programa da Rede Globo.
Além da capa de “Calabar”, também em 1973,
Gal Costa teve censurada a capa do disco “Índia”, por trazer um close
frontal da cantora vestida de uma tanga minúscula, e na contra-capa fotografias
da mesma de seios nus, vestida de índia. A gravadora Philips comercializou o
álbum coberto por um envelope opaco, de plástico azul. Do mesmo álbum, a música
“Presente Cotidiano”, de Luiz Melodia, foi proibida de tocar em rádios e
locais públicos. Em 1984, já no fim da ditadura, pós Diretas Já, Gal
Costa teria outra canção proibida pela censura de ser tocada em público: “Vaca
Profana” (Caetano Veloso), do álbum “Profana”. Ainda naquele tenso 1973, uma reportagem da revista Veja, dava
conhecimento de que o álbum de Gonzaguinha, “Luiz Gonzaga JR.” (1973),
era resultado do corte feito pela censura de 15 músicas.
Ainda em 1973, Raul Seixas teria 18 composições
vetadas pela censura. Luiz Melodia, além de ter “Presente Cotidiano”
proibida de ser executada nas rádios, teve várias palavras excluídas ou
alteradas das canções do seu disco de estréia, e várias músicas vetadas na
íntegra.
Linguagem Poética e Coloquial Sofrem Censuras
Na ignorância cega da censura, sem uma lógica que a
sustentasse, até o poeta Mário de Andrade foi vetado. O fato inusitado
aconteceu em 1970, quando a gravadora Festa decidiu homenagear os 25 anos da
morte do poeta, preparando um disco com alguns dos seus mais conhecidos poemas.
Após ser submetido à censura, o projeto teve seis poemas proibidos, entre eles
“Ode ao Burguês” e “Lira Paulistana”. Os vetos foram justificados
pelos censores como estéticos, “falta de gosto”. O que se concluía era
que, os censores jamais tinham ouvido falar em Mário de Andrade, confundindo-o
com um autor vulgar do Brasil da época.
Outro exemplo eloqüente da ignorância e do
despreparo dos censores, foi com o compositor e cantor Adoniran Barbosa.
Conhecido como o mais paulistano dos compositores, Adoniran Barbosa usava em
suas canções o jeito coloquial de falar dos paulistanos. Não querendo problemas
com a censura, em 1973 o artista decidiu lançar um álbum com várias canções já
gravadas na década de cinqüenta. Inesperadamente, cinco das suas canções foram
vetadas, mesmo não sendo inéditas. Diante da linguagem coloquial de “Samba
do Arnesto” (Adoniran Barbosa – Alocin), que trazia nos seus versos “O
Arnesto nos convidou prum samba/ Ele mora no Brás/ Móis fumo/ Num encontremo
ninguém/ Fiquemo cuma baita duma réiva/ Da outra veiz nóis num vai mais (Nóis
num semo tatu)”, o censor só liberaria a música se ele regravasse cantando
assim: “Ficamos com um baita de uma raiva/ Em outra vez nós não vamos mais
(Nós não somos tatus)”. Na letra da música “Tiro ao Álvaro”
(Adoniran Barbosa – Oswaldo Moles), a censora faz um círculo nas palavras “tauba”,
“revorve” e “artormove”, concluindo que a “falta de gosto
impede a liberação da letra”. Para que pudessem ser aprovadas, “Samba do
Arnesto” e “Tiro ao Álvaro”, teriam que virar “Samba do Ernesto”
e “Tiro ao Alvo”. Tiveram o mesmo destino “Já Fui uma Brasa”
(Adoniran Barbosa – Marcos César), “Eu também um dia fui uma brasa. E acendi
muita lenha no fogão” e “O Casamento do Moacir” (Adoniran Barbosa –
Oswaldo Moles), “A turma da favela convidaram-nos para irmos assistir o
casamento da Gabriela com o Moacir“. “O Casamento do Moacir” foi
considerada de “péssimo gosto” pela censora Eugênia Costa Rodrigues.
Diante da censura, Adoniran Barbosa não mudou a sua obra, deixou para gravar as
músicas mais tarde, quando a burrice já tivesse passado.
Outro poeta que teve problemas com a censura foi
Vinícius de Moraes. Sua música “Paiol de Pólvora” (Vinícius de Moraes –
Toquinho), feita para a trilha sonora de “O Bem-Amado”, foi proibida de
ser o tema de abertura da novela, em 1973, por causa do verso “estamos
sentados em um paiol de pólvora”, sendo substituída na abertura pela música
“O Bem Amado” (Vinícius de Moraes – Toquinho), interpretada pelo coral
da Orquestra Som Livre. Também a belíssima canção “Valsa do Bordel”
(Vinícius de Moraes – Toquinho), sobre a vida de uma velha prostituta, esteve
proibida por dez anos. Vinícius cantava esta música em shows, ironicamente
chamando-a de “A Valsa da Pura”, por causa da censura.
Paulinho da Viola, em 1971, teve no seu álbum “Paulinho da Viola”, duas canções proibidas: “Chico Brito” (Wilson Batista – Afonso Teixeira), música composta em 1949, e “Um Barato, Meu Sapato” (Paulinho da Viola – Milton Nascimento), ambas vetadas sob a alegação de que evidenciavam o clima marginal do samba.
Paulinho da Viola, em 1971, teve no seu álbum “Paulinho da Viola”, duas canções proibidas: “Chico Brito” (Wilson Batista – Afonso Teixeira), música composta em 1949, e “Um Barato, Meu Sapato” (Paulinho da Viola – Milton Nascimento), ambas vetadas sob a alegação de que evidenciavam o clima marginal do samba.
Outros Tantos Vetos
Vale registrar, ainda, que em 1972, Jards Macalé
teria que reescrever sete vezes a letra de “Revendo Amigos” (Jards
Macalé – Waly Sailormoon), do álbum “Movimento dos Barcos”. Sérgio
Bittencourt, jornalista e compositor, filho de Jacob do Bandolim, em 1970, teve
a sua música “Acorda, Alice”, proibida pela censura da ditadura militar
por causa do verso “Acorda, Alice/ Que o país das maravilhas acabou”.
Esta canção seria gravada por Waleska já na época da abertura política.
Rita Lee teve as músicas “Moleque Sacana”
(Rita Lee e Mu) e “Gente Fina” (Rita Lee) censuradas, a primeira por
causa da palavra sacana, considerada obscena, a segunda porque poderia ferir os
bons costumes da época.
Carlos Lyra sentiu o gosto da censura com a sua
música “Herói do Medo”, proibida por causa dos versos “odeio a mãe
por ter parido” e “o passatempo estéril dos covardes“. Carlos Lyra
não alterou o conteúdo da letra, preferiu sair do país. Belchior, que durante
muito tempo foi considerado autor marginal, teve a música “Os Doze Pares de
França” (Belchior – Toquinho) censurada, porque para os censores, os
autores vangloriavam a França, fazendo dele um país melhor para se viver do que
o Brasil. Também a canção “Pequeno Mapa do Tempo” (Belchior), de 1977,
uma crítica implícita ao regime, por causa dos versos “eu tenho medo e medo
está por fora” e “eu tenho medo em que chegue a hora, em que eu precise
entrar no avião“, uma alusão ao exílio, os censores concluíram que a música
trazia mensagem de protesto político. Ao contrário do que se pensa, o cantor e
compositor Luiz Ayrão foi um dos artistas brasileiros que mais contestou a
ditadura militar. A sua música “Quem Eu Devo é Que Deve Morrer”, tem
como tema uma dívida pessoal que só será paga se Deus quiser. Também a dívida
externa brasileira encontrava-se nessas condições. Luiz Ayrão faz um samba
provocativo. Diante da afirmação do verso “quem eu devo é que deve morrer“,
a canção é vetada, sendo a proibição justificada pela censura porque a letra
era um incentivo ao homicídio, com uma mensagem de caráter negativo.
Sueli Costa deu a canção “Cordilheira”
(Sueli Costa – Paulo César Pinheiro) para Erasmo Carlos gravar. Feito o
registro, a canção jamais saiu, sendo proibida. Os autores chegaram a ir a
Brasília em busca de uma explicação para o veto. Encontram o silêncio dos
censores, sem nenhuma justificativa. Mas os versos falavam por si: “Eu quero
ver a procissão dos suicidas, caminhando para a morte pelo bem de nossas vidas”.
“Cordilheira” é uma das mais belas canções de teor contestatório já
feita no Brasil. Quando liberada, seria gravada por Simone, em 1979, no álbum “Pedaços”.
O registro de Erasmo Carlos só saiu em uma caixa de cds comemorativos à
carreira do cantor. Outra canção censurada de Sueli Costa foi “Altos e
Baixos” (Sueli Costa – Aldir Blanc), que cantava de forma densa uma cena de
agressão entre um casal, que trazia um casamento desgastado. A música falava de
uísque, Dietil, Diempax, e foi justamente por ter citado o nome
do ansiolítico Diempax, que a canção foi censurada. Elis Regina
conseguiria a liberação da música, gravando-a no seu álbum “Essa Mulher”
(1979).
O Brega ou Popularesco, Nada Escapa à
Censura
Como já
se pôde observar, a censura da ditadura militar não obedecia a nenhum critério.
Qualquer ameaça não só ao regime por ela imposto ao país, como à sociedade
conservadora que a ajudou a ascender ao poder e nele continuar por mais de duas
décadas. Vestido de uma moral hipócrita, o regime militar barrava qualquer obra
que suspeitasse ofender à moral, ou que se mostrasse obscena a essa moral. Em
um mesmo contesto, tanto Chico Buarque, quanto Odair José, um cantor e
compositor de sucessos popularescos, sem vínculos com qualquer militância
política, ou mesmo o genial e popular Genival Lacerda, sofriam os reveses da
censura. “Tanto Mar” (Chico Buarque), “Pare de Tomar a Pílula”
(Odair José) e “Severina Xique Xique”, apesar de canções antagônicas, de
vertentes diversas dentro da música brasileira, oscilando entre a canção
política e a considerada “brega” ou “pimba”, eram consideradas
pela censura um perigo latente ao regime e à moral que se construía naquela
época.
Em 1975, já Genival Lacerda tinha transformado a sua música “Severina Xique Xique” (Genival Lacerda – João Gonçalves) em um grande sucesso de público no nordeste brasileiro, quando foi vítima do preconceito das famílias do Ceará, que acusavam a palavra “boutique” de ter duplo sentido, ofendendo os bons costumes do lugar. Diante do protesto, o departamento regional da polícia federal do Ceará encaminhou a letra à Divisão de Censura de Brasília. Surpreendentemente, o técnico de censura de Brasília, mantém a liberação da música e afirma que a canção “é um veículo de integração da nacionalidade“. Este fato prova que a censura não vinha só do regime militar, mas da sociedade que apoiava este regime, e que muitas vezes, era mais repressiva e conservadora do que ele.
Em 1975, já Genival Lacerda tinha transformado a sua música “Severina Xique Xique” (Genival Lacerda – João Gonçalves) em um grande sucesso de público no nordeste brasileiro, quando foi vítima do preconceito das famílias do Ceará, que acusavam a palavra “boutique” de ter duplo sentido, ofendendo os bons costumes do lugar. Diante do protesto, o departamento regional da polícia federal do Ceará encaminhou a letra à Divisão de Censura de Brasília. Surpreendentemente, o técnico de censura de Brasília, mantém a liberação da música e afirma que a canção “é um veículo de integração da nacionalidade“. Este fato prova que a censura não vinha só do regime militar, mas da sociedade que apoiava este regime, e que muitas vezes, era mais repressiva e conservadora do que ele.
Dentro do popularesco da canção brasileira, Odair
José foi um dos compositores que mais sofreu com a censura. “O Motel”
(Odair José), teve só pelo seu título, o veto da censura. Revelar a intimidade
de um casal naqueles preconceituosos anos setenta era inconcebível para a
censura militar. Outra música de Odair José vetada pela censura foi “A
Primeira Noite”, considerada inconveniente para ser consumida pelo público
jovem e adolescente da época. O autor mudou o título da canção para “Noite
de Desejos”, conseguindo liberá-la e gravá-la. A mais polêmica música de
Odair José foi “Pare de Tomar a Pílula”, onde ele pedia para a namorada
deixar de usar anticoncepcionais para que pudesse engravidá-la. Vista à ótica
do tempo, a canção chega a ser ingênua, de uma simplicidade quase grotesca,
absolutamente inofensiva para um público atual, mas aviltante para as velhas
senhoras que em 1964, saíram às ruas de rosários nas mãos, saudando, em nome da
família brasileira, os golpistas militares.
Dentro da corrente popularesca, a censura não
poupou nem mesmo a dupla Dom e Ravel, que em 1970, tornara-se a menina dos
olhos da repressão, com uma música que exaltava a nação, tornando-se o hino da
ditadura: “Eu Te Amo, Meu Brasil”. O motivo que levou o regime a
interrogar Dom e Ravel, foi quando eles apresentaram, em 1972, a canção “A
Árvore”, os censores desconfiaram do trecho “venha, vamos penetrar”.
Além de imaginar que o tema que falava de árvores, seria supostamente sobre a canabilis
(planta da maconha). A música foi proibida, apesar de ter uma gravação da banda
Os Incríveis, nunca foi lançada. A esta altura, a incoerência da censura já
dava passagem para uma certa esquizofrenia social e política, sem ideologia ou
razão.
Dentro de um processo repressivo, todos os
argumentos tornam-se incoerentes, a razão é substituída pela força bruta. A
censura não constrói uma lógica, muitas vezes ela percorre movida pelas
decisões pessoais dos censores. Para manter as necessidades de uma ditadura, a
censura fazia parte da arma de propaganda do estado repressivo, podava a
liberdade de expressão, principalmente as que feriam os princípios que
justificam um governo ilegítimo, emanado da força, da opressão e da traição aos
princípios da democracia.
Referências:
http://jeocaz.wordpress.com/2008/09/03/a-musica-brasileira-e-a-censura-da-ditadura-militar/#comment-1079
Referências:
http://jeocaz.wordpress.com/2008/09/03/a-musica-brasileira-e-a-censura-da-ditadura-militar/#comment-1079